regresso

Para o meu regresso nada melhor que um aniversário.

40 anos para festejar a inauguração da Ponte sobre o Tejo, mesmo com nomes diferentes o que importa é mesmo a obra de engenharia em si.

Quarenta anos depois já quase se esqueceu que a ponte sobre o Tejo, do alto de Alcântara aos morros de Almada, foi inaugurada com o nome de Salazar. Ao que parece contra a vontade do líder da ditadura do Estado Novo, já que ele próprio antevia problemas à volta do nome com a queda do seu regime.

Mas de qualquer forma seguiu o processo com toda a atenção, pois chegou a interpelar o ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, sobre se as letras no pilar junto à Avenida da Índia estavam soldadas à estrutura ou simplesmente aparafusadas e muito fáceis de remover.

Seguro é que a maior obra do regime foi edificada dentro dos seus cânones: o chefe do governo votou formalmente contra a construção no Conselho de Ministros de 13 e 14 de Janeiro de 1959 por uma questão de ortodoxia financeira, pois o investimento de 75 milhões de dólares (2,145 milhões de contos na altura) podia ser aplicado a pensar em retornos mais rápidos; e o responsável da obra, eng. José Canto Moniz, teve de seguir sem relaxe o orçamento ao tostão para depois de tudo construído o desvio registado não chegar a um por cento.

Antes da ponte, a travessia fazia-se de barco. E eram centenas os carros que em meados dos anos 60 esperavam em filas intermináveis, em Cacilhas ou no Porto Brandão, sobretudo nos domingos à noite, vindos das praias da Costa de Caparica ou até de Sesimbra, Setúbal, litoral do Alentejo e Algarve. A 6 de Agosto de 1966 começou uma nova era. O engarrafamento para atravessar a ponte excedeu tudo quanto se podia esperar.

O País estava empolgado com a proeza da selecção de Eusébio que tinha chegado às meias-finais e ao 3.º lugar no Mundial de Futebol Inglaterra 1966. A semana que começou com o desfile dos ‘Magriços’ do Parque Eduardo VII ao Palácio de Belém para serem recebidos pelo presidente da República Américo Tomás, acabou no sábado com meia Lisboa a rumar à margem sul para experimentar.

PROJECTADA NOS ANOS 30
As histórias desse dia ganharam aura lendária. Uma professora recorda que os seis descendentes da sua família foram todos no apertado banco de trás de um ‘carocha’ Volkswagen passar a ponte, numa confusão e demora tamanha que a mãe esteve prestes a dar à luz em cima do tabuleiro do então maior vão do Mundo.

Menos emocionante, mas também cheia de surpresas é a história política da construção da primeira ponte sobre o estuário do Tejo que começou por ser projectada nos anos 30, pelo ministro Duarte Pacheco, do Beato ao Montijo. A ousadia do engenheiro não convenceu de imediato Oliveira Salazar.

A eclosão da II Guerra Mundial 1939-45 adiou o projecto. Mas em 1953, e por força da necessidade de enquadrar o apoio económico dos EUA no âmbito do Plano Marshall, elaborou-se o chamado 1.º Plano de Fomento (7,6 milhões de contos). Apesar de 32,8 por cento dos capitais afectados ir para Transportes e Comunicações, a prioridade foi dada às instalações portuárias, caminhos-de-ferro e novos navios.

Delineado para seis anos, 1953-58, o 1.º Plano de Fomento previa investimento total da ordem dos 15% do PIB, com ‘tranches’ de 2,5% por ano num tempo em que se crescia ao ritmo médio de 3,3%. Houve quem logo preconizasse a inclusão de uma ponte sobre o Tejo. Marcelo Caetano, de quem passa este ano o centenário do nascimento, queixa-se em ‘Memórias de Salazar’ que o presidente do Conselho sempre tentou desmobilizá-lo do projecto, mesmo quando a partir de 1955 e já como ministro da Presidência ele assumiu a orientação do elaborar do 2.º Plano de Fomento. Muito além do documento anterior, o segundo plano já se parecia com um instrumento de política económica, tinha dez vezes mais páginas (70 em vez de sete) e apontava para uma mobilização de 21 milhões de contos, correspondentes a 33% do PIB de 1958, a dividir por fatias de pouco mais de 5% ao ano, numa altura em que o crescimento médio anual era de 4,2%.

A construção da ponte sobre o Tejo custou, tal como foi orçamentada, cerca de 2,145 milhões de contos, ou seja a décima parte das verbas do 2.º Plano de Fomento. No pensamento político-financeiro do chefe da ditadura, tratava-se de uma insensatez. Dentro do regime, Salazar e Marcelo confrontaram-se. O ministro da Presidência queria meter a verba nos financiamentos do plano. O chefe do Governo impediu que tal acontecesse preto no branco e combinou com o ministro das Finanças que as promessas ficassem no ar. A julgar pelas memórias, Caetano não gostou nada da resolução. Ele queria dar uma dimensão mais avançada ao documento, manifestamente impossível nos cânones políticos da altura. Aliás, há obras previstas naquele plano ainda por concretizar e abandonadas como a construção de um canal de navegação a ligar o Tejo com o Sado.

SALAZAR VOTOU CONTRA
Neste estado de coisas a deliberação do Conselho de Ministros de dois dias a 13 e 14 de Janeiro de 1959 onde é debatido a construção da ponte, constitui uma das mais surpreendentes curiosidades da ditadura de Salazar. Ele votou contra, acompanhado pelo ministro das Finanças, Pinto Barbosa, e perdeu ou pelo menos deixou-se perder. Absolutamente extravagante no seu estilo de governação autoritário.

Sem se alongar sobre o assunto, o biógrafo e seu antigo ministro Franco Nogueira considera que “Salazar votou contra baseado na sua ortodoxia financeira:
o financiamento da ponte poderia e em rigor deveria ser usado em projectos que, se executados, teriam uma rentabilidade mais imediata e contribuíriam para um mais rápido aumento do produto nacional. Mas o projecto da ponte era o mais espectacular e o Conselho sucumbiu a uma tentação política. Salazar, no fundo, também desejava a ponte; mas não queria que historicamente ficasse comprometida a integridade da sua ortodoxia financeira, nem que se pudesse dizer que transigira para conquistar popularidade”.

Conta Franco Nogueira na longa biografia do chefe do governo, quando vinha à berlinda a questão da ponte sobre o Tejo uma das recorrências era “os senhores vão ter problemas”. Adiante-se que por seu lado, Salazar se deixou derrotar várias vezes neste processo da ponte sobre o Tejo, inclusive na escolha do nome que se lhe deu, mas não cedia no que eram os interesses do Estado. Mesmo antes do controlo férreo dos gastos nas obras que duraram quatro anos e não registaram no final sequer 1% de desvio em relação ao orçamentado. Salazar entendeu pôr condições logo na adjudicação da obra. Vale a pena ver o despacho que fez sobre a adjudicação da obra em que determinou:
“A exploração da ponte será assegurada pelo Estado directamente ou por intermédio de empresa nacional em que participe, conforme for ulteriormente estabelecido.”

Mais, o mesmo zelo pelos capitais do Estado viu-se no financiamento da obra feita pela United States Steel Export Company, no montante de 2,145 milhões de contos, sendo 1,57 milhões em custos de materiais e serviços de origem americana e 575 mil contos de gastos em Portugal. Para o efeito, o governo negociou créditos a amortizar em 20 anos e pagou juros de 5,75% ao ano a bancos americanos, mas no dia da inauguração o presidente da empresa adjudicatária da construção, Roger Blough, disse que “a ponte foi integralmente paga por Portugal, sem nenhum auxílio estrangeiro”.

CERIMÓNIA DE INAUGURAÇÃO
Na inauguração da ponte sobre o Tejo, Salazar foi o segundo dignitário do Estado a passar com o seu carro logo atrás do presidente. Isto oficialmente, porque na véspera ele foi mais o ministro da Obras Públicas Arantes e Oliveira conhecer a obra ao pormenor. Tal qual fez em relação ao programa da cerimónia da tarde de 6 de Agosto de 1966, que lhe motivou uma série de reparos, como discutir onde devia estar o presidente Américo Tomás no momento em que se tocasse o Hino Nacional, num plinto destacado onde procedia à inauguração ou na tribuna oficial.

A vigilância de Salazar sobre o seu ministro das Obras Públicas foi obsessiva. Discutiu detalhes e discursos, mas como ninguém faz tudo bem acabou por ser surpreendido na Praça da Portagem, do lado de Almada, com uma intervenção laudatória do presidente da câmara municipal de Lisboa, general França Borges que evocou a história para afirmar “Nuno Álvares Pereira é o irmão de Salazar” e provocar gargalhadas nas pessoas. Segundo Franco Nogueira, o chefe da ditadura do Estado Novo considerou ‘horrível, estúpida e ridícula’ a comparação com o Condestável. Após deixar o município lisboeta França Borges foi nomeado por Salazar para vice-rei da Índia, título com que o Estado Novo pretendia manter uma soberania virtual sobre os territórios de Goa, Damão e Diu, mas acabou por levar um médico pouco informado a considerar o general enlouquecido.

A ponte sobre o Tejo de Alcântara a Almada já não tem 40 anos depois o nome de Salazar com que foi inaugurada. É hoje chamada 25 de Abril, embora não deixe por isso de ser a maior obra pública do antigo regime ditatorial.

Não há dúvida que quanto à denominação se tornou um problema, ainda que sem importância para o dia-a-dia dos utentes. E nesse aspecto o catedrático de Finanças de Santa Comba Dão previu a questão segundo conta o seu biógrafo ao lembrar o erro da teimosia do “presidente e do ministro”:
“Os nomes de políticos – considerava Salazar – só devem ser dados a monumentos e obras públicas cem ou duzentos anos depois da sua morte. Salvo nos casos de chefes de Estado, se estes forem reis, porque então se está a consagrar um símbolo da nação.

Mas se se trata de figuras políticas como é o meu caso, então há que esperar e se ao fim de cem ou duzentos anos ainda houver na memória dos homens algum traço do seu nome ou da sua obra, então é até justo que se lhe preste tal homenagem”.

Nem a obra nem o nome tiveram a predilecção do chefe do governo. Ainda segundo Franco Nogueira, Salazar acertou, entretanto, no futuro quanto ao que lhe dizia respeito. “O meu nome ainda há-de ser retirado e por causa do que agora se fez , os senhores vão ter problemas”, lembra o autor da biografia que garante: “Todos estes comentários de Salazar são a reprodução rigorosa do que na altura me disse e de que então tomei notas exactas”.

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