MacroEconomia

Excelsos Tusabloggers,

para se provar que aqui na tasca, também podemos falar de coisas relativamente sérias e importantes (não é bola, nem política, nem telenovelas), deixo aqui uma pequena análise sobre esta depreciação da moeda norte-americana face ao Euro (€).

Realço para o facto de esta ser uma análise de conjuntura, mas baseada em factos estruturais....

Sem referências históricas, a continuação da bullish trend de longo prazo leva-nos a pensar na possibilidade de se poder chegar aos 1,35 e aos 1,40 dólares. Num período anterior às eleições presidenciais norte-americanas, o mercado esbateu esta tendência mas, com a reeleição de G. Bush acredita-se que os sobejamente conhecidos e falados problemas estruturais da economia americana se vão agravar, daí a incorporação pelo mercado da necessidade da moeda americana continuar a perder valor.

Não dando importância significativa aos indicadores que vão sendo divulgados acerca do andamento da economia, tanto norte-americana como europeia, investidores e operadores de mercado agarraram-se literalmente ao problema do desequilíbrio das contas correntes dos EUA, que clama por medidas que passam por uma moeda mais fraca. Com esta fixação, a voragem especulativa, de que vivem muitos destes intervenientes no mercado, aponta só para um sentido. Daqui, a preocupação das autoridades, sobretudo europeias, em relação a este ciclo altamente volátil, que pode pôr em risco o incipiente crescimento económico em curso. Da postura verbal contra este movimento do euro/dólar, faz-se apelo a intervenções concretas a favor do dólar, só que os americanos são contra este tipo de acção directa concertada, apesar de por vezes reafirmarem que desejam uma moeda forte.

Mas se há um rótulo para a ainda vigente administração norte-americana e que vai “colar” indubitavelmente na que tomará posse em Janeiro será o do dólar fraco, do descalabro financeiro e da dependência do exterior para financiar o despesismo. A tomada de consciência crescente desta situação, para a qual o Presidente da Fed lançou ultimamente um forte aviso, leva à constituição de fortes posições especulativas contra a moeda. Todos estão preocupados com o persistente aumento do défice corrente, que pode facilmente vir a ser superior aos actuais 5% do PIB, e com as consequências de mais depreciação da moeda, taxas de juro mais altas e uma diminuição do crescimento.

O que se passa, na verdade, em termos de génese dos desequilíbrios, é que os EUA mostram um excesso de consumo ao longo da última década (segundo dados da Morgan Stanley, a média do aumento do consumo anual em termos reais entre 1995 e 2003 foi de cerca de 4% comparativamente aos 2,2% registado no restante mundo industrial) em contraste com a falta dele no resto do globo. Este facto teve como consequência a dramática descida da poupança doméstica para valores mínimos históricos e a necessidade de absorver cerca de 80% das poupanças mundiais para financiar os seus excessos vindos, sobretudo, da Ásia (Japão, China e Coreia), Europa e Médio Oriente. Com a perspectiva de um agravamento crescente do défice corrente para valores na ordem dos 6,5%/7% do PIB para o próximo ano, os EUA vão necessitar de entradas de capitais sucessivamente superiores. E se a actual relação de forças que mantem este desequilíbrio se alterar? E se por qualquer razão, redefinição de políticas, reestruturação de carteiras, falhar o financiamento do consumo americano? Aí, o dólar entrará em colapso, as taxas de juro disparam, as bolsas caiem, surgindo um cenário de recessão.

Para evitar este cenário será necessário cortar o consumo e privilegiar a poupança doméstica, reduzindo a necessidade de capitais externos, através do aumento das taxas de juro. O desinvestimento que se verificará nos activos em dólares, sobretudo nas obrigações, será compensado com o aumento da poupança interna resultante da diminuição da procura em sectores sensíveis ao aumento dos juros – imóveis, automóveis e despesas de capital.

O dólar mais fraco permite uma diminuição das tensões comerciais globais, criando vantagens para as exportações norte-americanas em detrimento das importações e diminuindo o risco de tomada de medidas proteccionistas. Por outro lado, leva a apreciação de outras moedas – euro, moedas asiáticas, etc. Se no caso da moeda única europeia, o ajustamento é exagerado, no que respeita às moedas asiáticas, concretamente as que se mantêm em regimes de câmbios fixos, esse movimento é necessário, esperando-se uma abertura desses países para uma maior flexibilidade. Só que até aqui, a Ásia tem mantido o seu modelo de desenvolvimento assente nessa “fórmula mágica”, sustentando as suas moedas subavaliadas artificialmente através da acumulação descomunal de reservas em dólares e fazendo aplicações em activos americanos.

Por outro lado, a apreciação inevitável do euro e das moedas asiáticas, de uma maneira mais ou menos controlada, dependendo da actuação das autoridades, poderá ser um estímulo a alterações no modelo de crescimento seguido pelos respectivos países ao longo dos últimos anos, baseado fundamentalmente no aumento das exportações. Pode ser um bom momento para estimularem a procura interna e diminuírem as poupanças e os superávites correntes, para além de outras reformas estruturais que impliquem um aumento do consumo das famílias, nomeadamente um mercado de trabalho menos rígido. No caso europeu, e tendo como exemplo passado da Alemanha com o marco forte, uma moeda única mais forte deverá ser o êmbolo para se alcançarem maiores ganhos de produtividade e de eficiência económica, para além do desafio ao desenvolvimento tecnológico e à reconversão empresarial.

Em suma, a depreciação do dólar continua a ser encarada pelo mercado como um factor essencial a um maior equilíbrio económico global. Uma maior ou menor volatilidade irá depender dos sinais de alteração do actual status quo que sejam enviados sobretudo pela classe política dirigente

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