Primeiro sermão...
Buonos dies...
Começo com um exercício proposto por Platão no Séc. IV antes da Era de Nosso Senhor Jesus Cristo...
Começo com um exercício proposto por Platão no Séc. IV antes da Era de Nosso Senhor Jesus Cristo...
Sócrates — (...) Não é o desejo insaciável daquilo que a democracia considera o seu bem supremo que a perde?
Adimanto — E que bem é esse?
Sócrates — A liberdade. Com efeito, num Estado democrático ouvirás dizer que é o mais belo de todos os bens, motivo por que um homem nascido livre só poderá habitar nessa cidade.
Adimanto — Sim, é isso o que se ouve muitas vezes.
Sócrates — O que eu ia dizer há pouco é: não é o desejo insaciável desse bem, e a indiferença por todo o resto, que muda este governo e o obriga a recorrer à tirania?
Adimanto — Como?
Sócrates — Quando um Estado democrático, sedento de liberdade, passa a ser dominado por maus chefes, que fazem com que ele se embriague com esse vinho puro para além de toda a decência, então, se os seus magistrados não se mostram inteiramente dóceis e não lhe concedem um alto grau de liberdade, ele castiga-os, acusando-os de serem criminosos e oligarcas.
Adimanto — E isso mesmo o que ele faz.
Sócrates — E ridiculariza os que obedecem aos magistrados e trata-os de homens servis e sem valor. Por outro lado, louva e honra, em particular e em público, os governantes que parecem ser governados e os governados que parecem ser governantes. Não é inevitável que, num Estado assim, o espírito de liberdade se estenda a tudo?
Adimanto — Claro, como não?
Sócrates — E que penetre, Adimanto, no interior das famílias e que, por último, a anarquia se transmita até aos próprios animais?
Adimanto — O que queres dizer?
Sócrates — Que o pai se habitua a tratar o filho como seu igual e a temer os filhos dele. Que o filho se assemelha ao pai e não respeita nem teme os pais, porque quer ser livre. Que o meteco se torna igual ao cidadão, o cidadão ao meteco e do mesmo modo todo estrangeiro.
Adimanto — Na verdade, é assim.
Sócrates — Aqui tens o que acontece e outros pequenos abusos como estes. O mestre receia os discípulos e lisonjeia-os, os discípulos fazem pouco-caso dos mestres e dos pedagogos. De modo geral, os jovens imitam os mais velhos e disputam com eles em palavras e ações. Os idosos, por seu lado, sujeitam-se às maneiras dos jovens e mostram-se cheios de gentileza e petulância, imitando a juventude, com medo de serem considerados enfadonhos e despóticos.
Adimanto — É assim, realmente.
Sócrates — Mas, meu caro, o limite extremo do excesso de liberdade que um tal Estado oferece é atingido quando as pessoas dos dois sexos que se compram como escravos não são menos livres do que aqueles que as compraram. E quase nos esquecíamos de dizer até onde vão a igualdade e a liberdade nas relações entre os homens e as mulheres.
Adimanto — Mas por que não havemos de dizer, segundo a expressão de Ésquio, ‘o que tínhamos na ponta da língua’?
Sócrates — Está certo, e é isso o que faço. Até que ponto os animais domesticados pelos homens são aqui mais livres do que em outra parte é coisa que custa a acreditar quando se não a viu. Na verdade, como diz o provérbio, as cadelas comportam-se aí como as donas; os cavalos e os burros, habituados a uma marcha livre e altiva, atropelam todos os que encontram no caminho, quando estes não lhes cedem a vez. E o mesmo sucede com o resto: tudo transborda de liberdade.
Adimanto — Estás a relatar-me o meu próprio sonho, visto que é rara a vez que isso não me aconteça, quando vou ao campo.
Sócrates — Bem, vês o resultado de todos estes abusos acumulados? Compreendes que tornam a alma dos cidadãos tão melindrosa que, à mínima aparência de opressão, estes se indignam e revoltam? E acabam, como sabes, por não se importar com as leis escritas ou não escritas, para que não venham a ter nenhum senhor.
Adimanto — Sei disso muitíssimo bem.
Sócrates — Pois então, meu amigo, é este governo tão belo e arrogante que dá origem à tirania, pelo menos a meu ver.
Adimanto — Arrogante, com efeito! Mas o que acontece em seguida?
Sócrates — O mesmo mal que, tendo se desenvolvido na oligarquia, causou a sua ruína, desenvolve-se aqui com mais amplitude e força, devido ao desregramento geral, e reduz a democracia à escravidão, porque é certo que todo excesso costuma provocar uma viva reação nas estações, nas plantas (...) e nos governos, mais do que em qualquer outra coisa.
Adimanto — E natural que seja assim.
Sócrates — Desse modo, o excesso de liberdade conduz um excesso de servidão, tanto no indivíduo como no Estado.
Adimanto — É o que me parece.
Sócrates — Verdadeiramente, a tirania não se originou em nenhum outro governo senão da democracia, seguindo-se à liberdade extrema, penso eu, uma extrema e cruel servidão.
Adimanto — E que bem é esse?
Sócrates — A liberdade. Com efeito, num Estado democrático ouvirás dizer que é o mais belo de todos os bens, motivo por que um homem nascido livre só poderá habitar nessa cidade.
Adimanto — Sim, é isso o que se ouve muitas vezes.
Sócrates — O que eu ia dizer há pouco é: não é o desejo insaciável desse bem, e a indiferença por todo o resto, que muda este governo e o obriga a recorrer à tirania?
Adimanto — Como?
Sócrates — Quando um Estado democrático, sedento de liberdade, passa a ser dominado por maus chefes, que fazem com que ele se embriague com esse vinho puro para além de toda a decência, então, se os seus magistrados não se mostram inteiramente dóceis e não lhe concedem um alto grau de liberdade, ele castiga-os, acusando-os de serem criminosos e oligarcas.
Adimanto — E isso mesmo o que ele faz.
Sócrates — E ridiculariza os que obedecem aos magistrados e trata-os de homens servis e sem valor. Por outro lado, louva e honra, em particular e em público, os governantes que parecem ser governados e os governados que parecem ser governantes. Não é inevitável que, num Estado assim, o espírito de liberdade se estenda a tudo?
Adimanto — Claro, como não?
Sócrates — E que penetre, Adimanto, no interior das famílias e que, por último, a anarquia se transmita até aos próprios animais?
Adimanto — O que queres dizer?
Sócrates — Que o pai se habitua a tratar o filho como seu igual e a temer os filhos dele. Que o filho se assemelha ao pai e não respeita nem teme os pais, porque quer ser livre. Que o meteco se torna igual ao cidadão, o cidadão ao meteco e do mesmo modo todo estrangeiro.
Adimanto — Na verdade, é assim.
Sócrates — Aqui tens o que acontece e outros pequenos abusos como estes. O mestre receia os discípulos e lisonjeia-os, os discípulos fazem pouco-caso dos mestres e dos pedagogos. De modo geral, os jovens imitam os mais velhos e disputam com eles em palavras e ações. Os idosos, por seu lado, sujeitam-se às maneiras dos jovens e mostram-se cheios de gentileza e petulância, imitando a juventude, com medo de serem considerados enfadonhos e despóticos.
Adimanto — É assim, realmente.
Sócrates — Mas, meu caro, o limite extremo do excesso de liberdade que um tal Estado oferece é atingido quando as pessoas dos dois sexos que se compram como escravos não são menos livres do que aqueles que as compraram. E quase nos esquecíamos de dizer até onde vão a igualdade e a liberdade nas relações entre os homens e as mulheres.
Adimanto — Mas por que não havemos de dizer, segundo a expressão de Ésquio, ‘o que tínhamos na ponta da língua’?
Sócrates — Está certo, e é isso o que faço. Até que ponto os animais domesticados pelos homens são aqui mais livres do que em outra parte é coisa que custa a acreditar quando se não a viu. Na verdade, como diz o provérbio, as cadelas comportam-se aí como as donas; os cavalos e os burros, habituados a uma marcha livre e altiva, atropelam todos os que encontram no caminho, quando estes não lhes cedem a vez. E o mesmo sucede com o resto: tudo transborda de liberdade.
Adimanto — Estás a relatar-me o meu próprio sonho, visto que é rara a vez que isso não me aconteça, quando vou ao campo.
Sócrates — Bem, vês o resultado de todos estes abusos acumulados? Compreendes que tornam a alma dos cidadãos tão melindrosa que, à mínima aparência de opressão, estes se indignam e revoltam? E acabam, como sabes, por não se importar com as leis escritas ou não escritas, para que não venham a ter nenhum senhor.
Adimanto — Sei disso muitíssimo bem.
Sócrates — Pois então, meu amigo, é este governo tão belo e arrogante que dá origem à tirania, pelo menos a meu ver.
Adimanto — Arrogante, com efeito! Mas o que acontece em seguida?
Sócrates — O mesmo mal que, tendo se desenvolvido na oligarquia, causou a sua ruína, desenvolve-se aqui com mais amplitude e força, devido ao desregramento geral, e reduz a democracia à escravidão, porque é certo que todo excesso costuma provocar uma viva reação nas estações, nas plantas (...) e nos governos, mais do que em qualquer outra coisa.
Adimanto — E natural que seja assim.
Sócrates — Desse modo, o excesso de liberdade conduz um excesso de servidão, tanto no indivíduo como no Estado.
Adimanto — É o que me parece.
Sócrates — Verdadeiramente, a tirania não se originou em nenhum outro governo senão da democracia, seguindo-se à liberdade extrema, penso eu, uma extrema e cruel servidão.
Platão - A República
Tomai lá que já almoçastes...!
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