Leituras

O ontem é meio passo para se conhecer o amanhã.
Parece cliché mas se repararmos bem o facto de sabermos o que aconteceu antes e como reagimos nessa situação, dá-nos muitos dados e ferramentas para termos alguma capacidade de previsão do futuro. Com isto presente dou a conhecer um livro que dá uma visão fantástica do Portugal de 1940 visto com outros olhos:
"Duas inglesas em Portugal”
É o título do livro que será apresentado quinta-feira, em Lisboa (mas que já está disponível online através da "marosca" e que relata a experiência de duas inglesas residentes em Portugal na década de 1940.
O livro foi escrito como um guia para os turistas que visitassem Portugal por Ann Bridge - à data embaixatriz do Reino Unido, já com experiência literária - e por Susan Lowndes Marques - casada com um jornalista português com quem dirigia o jornal "Anglo-Portuguese News" -, ambas já falecidas. Originalmente intitulado "The selective traveller in Portugal", foi editado pela primeira vez em 1949 e recebeu elogiosas críticas na imprensa inglesa, sendo sucessivamente reeditado e actualizado. O livro agora editado pela primeira vez em Português, desejo antigo das autoras, mais do que um guia é antes uma viagem ao Portugal de 1940 em que as mulheres espadelam o linho manualmente enquanto conversam e contam histórias.
Ann Bridge, também autora de "Peking picnic", e a jornalista Susan Lowndes Marques têm a percepção clara de que escrevem para leitores do Norte da Europa e aludem várias vezes a esse facto fazendo paralelos e comparações, de modo a tornar mais compreensível a realidade portuguesa. Surgem assim nomes de arquitectos, estilos ou movimentos artísticos mais comuns no Norte da Europa. As duas inglesas elogiam os azulejos portugueses e afirmam que as ruas com "fachadas de azulejos extremamente brilhantes de cores vivas" podem causar "um espécie de repulsa" ao estrangeiro mais habituado "à calma e austeridade" decorativa do Norte da Europa.
Descrevem os portugueses como muito corteses e aconselham os visitantes a conhecer as tradições ancestrais para melhor os entender, para "ganhar olho" e imbuir-se no espírito do povo. "No final de contas, este povo é adorável, e feliz!", atestam.
Referindo-se ao fado, escrevem que são como "canções obsessivas, melancólicas e monótonas" e que é "preciso estar-se preparado para se apreciar" e quando isso acontece "fica-se preso para o resto da vida".
O Portugal explicado pelas autoras, que percorreram o continente e sintetizaram informação que recolheram sobre as "ilhas adjacentes", é um país onde "não só o próprio trabalho está transformado numa ocasião de festa e divertimento, como os divertimentos puros e simples acontecem livremente".
Ann Bridge e Susan Lowndes Marques explicam os monumentos e as diversas práticas agrícolas, considerando, neste campo, que Portugal em 1940 é "fascinante e estranhamente bíblico". As autoras chegam a comparar a vida rural portuguesa da época à inglesa no século XVII.
Quanto ao património, registe-se um episódio relatado pelas autoras. Uma delas, ao observar a Janela do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar, que qualificam de "manuelino tardio e feio", "sentiu-se agoniada, tendo de afastar-se e sentar-se algures longe da vista daquela insanidade em pedra e ser reavivada com um brandy". Como afirma Susan, "é o único livro sobre Portugal em que as autoras visitaram tudo o que descrevem". Em alguns casos há grande actualidade, referiu à Lusa Ana Pereirinha da Quidnovi, a editora que chancela o livro, como o facto de, na sua maioria, as igrejas estarem encerradas e ser necessário "dar voltas e voltas" para se encontrar quem tem a chave, ou a crítica que tecem ao pouco respeito que há pelo património edificado. As autoras fazem, aliás, referência à campanha de obras nos castelos promovida em Portugal em 1940 por ocasião do duplo centenário. Em alguns casos, escrevem, "foram restaurados em demasia".
A actual edição corresponde ao desejo das duas autoras que não viram esse gesto das autoridades da época, designadamente o então SNI (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo). Este departamento comprou mais tarde 500 exemplares de um outro guia assinado pelo major Warne que, como ficou comprovado em tribunal, as tinha plagiado.
"Duas inglesas em Portugal", traduzido por Jorge Almeida e Pinho com introdução e notas de Ana Vicente, neta de Susan Lowndes Marques, é apresentado quinta-feira por Carol Mason e Miguel Magalhães Ramalho na Ordem dos Economistas, em Lisboa, no edifício situado na Estrela onde já funcionou o Royal British Club.

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