Concursos - inside information :)

Quantas vezes não ouvimos falar em concursos públicos? Em processos de grande envergadura que demoram meses a decidir e que tanto impacto têm nas nossas vidas, enquanto cidadãos?

Através da imprensa (escrita ou falada) temos acesso a notícias que publicitam os diversos concursos que o Estado Português lança para criação de infra-estruturas, para disponibilização de serviços ou para simples organização da máquina que está por detrás da Administração Pública Central.

Uma vez que lido quase diariamente com eles, lembrei-me de dar a conhecer alguns pormenores, talvez por considerar que as pessoas ainda não estão totalmente alerta para os mesmos e acima de tudo por considerar que como cidadãos devemos ter ao nosso dispor toda a informação possível sobre os procedimentos que regem muitos dos aspectos das nossas vidas.

Primeiro de tudo, importa realçar que a aquisição de bens e serviços por parte de organismos do estado (administração central, administração local e empresas públicas) está toda regulamentada por diversos decretos-lei:
- Decreto-Lei 197/99 de 8 de junho
- Decreto-Lei 01/2004 de 4 de Janeiro
- Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março.

Actualmente todos estes processos estão em remodelação para que em Julho de 2008 entre em vigor um único Decreto onde constem todas as aquisições de bens, serviços e obras públicas, bem como todas as formas de aquisição ao dispor dos organismos abrangidos

Actualmente os organismos públicos têm diversas formas de adquirir serviços:
Tipos de procedimentos
a) Concurso público (nacional ou internacional);
b) Concurso limitado por prévia qualificação;
c) Concurso limitado sem apresentação de candidaturas;
d) Concurso por negociação, com ou sem publicação prévia de anúncio;
e) Consulta prévia;
f) Ajuste directo
(a diferença no procedimento depende do valor global do contrato)

Por agora concentremo-nos apenas nos concursos públicos.
Quantos conhecem os trâmites de tais processos?
Quantos sabem a real complexidade e dificuldade que está por detrás de cada concurso público?

Não será possível em poucas palavras responder a estas questões mas pelo menos dou a conhecer alguns aspectos que estão nos “bastidores” dos concursos.

Os concursos públicos baseiam-se em cadernos de encargos que as entidades emitem para a aquisição de bens ou serviços. Estes cadernos são emitidos em base das necessidades das entidades, que por sua vez tiveram de efectuar um trabalho prévio para saber determinar montantes, tipos de procedimento, características técnicas, etc. Se em alguns casos recorrem a empresas de consultoria, outros há que recorrem às nossas próprias competências e nos pedem ajuda nesses dimensionamentos, certo é que são processos que antes de “saírem para a rua” têm no mínimo 4 meses de preparação.

Estes cadernos, quando são lançados, têm um custo de aquisição para todos aqueles que desejem responder (o valor destes cadernos depende do valor do concurso...para terem uma ideia, chegámos a ter cadernos de encargos no valor de 1000€ ou mais recentemente de 4800€).

As respostas aos concursos têm obrigatoriamente de ser divididas em diversas fases:

1. Os concorrentes têm de apresentar uma série de documentação legal que os qualifica e credencia para responder aos serviços objecto do concurso. Por exemplo, no nosso caso temos de apresentar licenciamento da ANACOM, caso contrário não podemos responder ou até certificação IS0 9000/9001. Em qualquer caso temos SEMPRE de ter as nossas contribuições à Segurança Social e Finanças em dia, sob risco de sermos excluídos do procedimento.
2. Fase da proposta onde respondemos a todos os pontos técnicos do caderno de encargos. Nesta fase estão indicados todos os serviços, preços e outras condições em que fazemos o serviço objecto do concurso. É neste documento em que apresentamos todo o trabalho realizado em conjunto com as diversas áreas da empresa e que serve de resposta final ao caderno de encargos.
3. O prazo de entrega depende sempre da entidade que emite o concurso. Podemos ter até 52 dias, mas em média dispomos apenas de 30 (existem casos onde dão 20 dias de calendário para resposta). Esta decisão depende de se o concurso é nacional ou internacional (concurso nacional para contratos até 125 000.00 €, internacional para valores superiores)

No decorrer da análise do caderno de encargos é que se elabora a proposta. Esta fase envolve sempre diversas áreas dentro da empresa, pois relaciona-se com viabilidades, análises técnicas, equipamentos, disponibilidade entrega, tempos de provisão ou entrega de equipamentos ou serviços, SLA’s e QoS’s, etc.

Em paralelo temos de tratar dos procedimentos administrativos e legais, onde se envolve a área jurídica. Existem concursos que obrigam a um conjunto de regras de assinaturas reconhecidas ou documentos certificados ou até originais de documentos e não cópias. Por vezes deparamo-nos com situações onde chegamos a apresentar cerca de 20 documentos aos quais temos de responder na totalidade, sob pena de exclusão).

Durante todo este processo temos de trabalhar em conjunto com as mais diversas áreas para que tudo corra com a maior celeridade possível, sempre sabendo que o nosso trabalho está dependente de um conjunto de pessoas (que podem ou não estar cientes disso) e que sem trabalho de equipa não se consegue responder a qualquer tipo de concurso, grande ou pequeno. É um trabalho de detalhe e que deveria ser efectuado com algum nível de exclusividade, o que confesso, é algo que não sucede com nenhuma das partes envolvidas na proposta. Esta é uma questão importante pois com qualquer pormenor não considerado (assinaturas em falta, critérios não respondidos, falta de documentação, etc…) podemos ser alvo de exclusão. O mais importante é ajustar tudo isto com os critérios de adjudicação, que invariavelmente tomam em conta o binómio Qualidade/Preço e em 90% dos casos com a componente de preço como fundamental na avaliação global.

Não é um processo fácil, envolve recursos e tempo, obriga a um nível de especialização que só se aprende com experiência e com erros (sim, porque erros acontecem em todas as circunstâncias, especialmente em situações de pressão e onde a probabilidade de falha humana é muito grande). Mas em todos os casos deveria ser sempre interpretado como um trabalho de equipa, onde a vitória ou derrota têm de ser assumidas por todos.