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É importante abanar o barco....

e para isso nada melhor que notícias controversas....e sim, é mesmo sobre um assunto sério e importante (logo, não é política, futebol ou religião)

(in expresso)

Na pele de Deus

Ainda este ano, o planeta deverá conhecer a primeira forma de vida artificial. Os avanços científicos são prometedores mas nem todos estão optimistas.

No dicionário de Craig Venter não há lugar para a palavra "consensual". Em 2000, um grupo de colegas cientistas definia-o assim na revista 'The New Yorker'. "É um anormal, um idiota. É um espinho nas pessoas e um egomaníaco". Controverso e milionário, Venter é também um cientista de créditos firmados. Esteve na corrida pela sequenciação do genoma humano, que perdeu, mas recuperou do desaire divulgando o ano passado a sequenciação do seu próprio genoma. Um passo que inaugura a era da genómica pessoal que, acreditam muitos cientistas, irá revolucionar a medicina do futuro.

O novo projecto do biólogo americano promete gerar ainda mais controvérsia: pretende criar a primeira forma de vida artificial, um micróbio totalmente desenhado em laboratório. Um feito que, segundo confidenciou ao jornal espanhol 'El Mundo', poderá acontecer ainda este ano. As potencialidades, defende Venter, são infinitas: os novos micro-organismos poderiam desempenhar um papel fundamental no combate ao aquecimento global - através da sua aplicação na produção de biocombustíveis ou na absorção de dióxido de carbono -, tratamento biológico de resíduos tóxicos e desenvolvimento de novos medicamentos.

No início do ano, investigadores do Instituto Craig Venter deram um passo crucial para o desenvolvimento de uma forma de vida artificial com a criação do primeiro genoma sintético de uma bactéria, baptizada Mycoplasma laborarium. Segundo os autores, a proeza representa a segunda de três etapas para a criação de um organismo vivo inteiramente artificial. A fase final, na qual a equipa está já a trabalhar, passa pela criação de uma célula artificial baseada no genoma sintético da bactéria produzida.Inserir o sistema operativo no computador.

Para tal, será preciso conseguir inserir o único cromossoma sintético numa célula e conseguir que esta seja capaz de se replicar de forma autónoma e transformar-se numa nova forma de vida artificial. Não se trata de dar vida a uma célula a partir do zero, como estão a tentar outros cientistas, mas antes de esvaziar uma do seu ADN e dotá-la de um genoma 100 por cento sintético. Usando uma analogia do próprio Venter, foi criado o software para o sistema operativo de um computador. Agora, é preciso introduzi-lo na máquina (a célula vazia) e pô-la a funcionar.

Mas o que é afinal a vida artificial?
A definição não é fácil, até porque os próprios cientistas têm alguma dificuldade em definir o que é vida. Os próximos anos deverão trazer, por isso, um debate sobre o que define a vida, tanto a "real" como artificial. Existem, contudo, alguns aspectos que um organismo artificial deverá possuir para ser considerado vivo.

Em primeiro lugar, tem que possuir ADN. Depois, tem que ser capaz de reproduzir-se e passar o seu código genético. Precisa, por isso, de um local onde colocar o código genético, uma membrana protectora, semelhante a uma parede celular. Esta deve permitir o normal funcionamento dos processos biológicos, ou seja, deve ser suficientemente permeável para absorver os nutrientes mas relativamente impermeável contra os patogéneos. Finalmente, o organismo deve ser auto-sustentável: deve ser capaz de se alimentar, reparar-se, adaptar-se e evoluir.

Para o conseguirem, os cientistas terão que ultrapassar vários obstáculos. O primeiro passo será a criação da membrana celular, algo que alguns acreditam poderá acontecer durante os próximos meses. O segundo passa pelo desenvolvimento de um sistema genético que controle as funções da célula, permitindo que ela se reproduza e se adapte às mudanças ambientais. Mais complicada poderá ser a activação de um metabolismo que permita o processamento de alimento em energia. Se tudo se conjugar na medida certa, poderá ser ultrapassado o principal desafio: manter o organismo artificial vivo por mais que uns minutos ou horas.

DEBATE ÉTICO

Em declarações ao diário britânico 'The Guardian', Venter considerou que a criação de vida artificial concede "a capacidade hipotética de fazer coisas que não foram imaginadas antes". Outros são menos optimistas quanto ao aproveitamento das potencialidades da chamada biologia sintética. Temem que, como aconteceu no passado com outras inovações, esta seja transformada numa faca de dois gumes, sendo aproveitada para fins menos nobres do que aqueles para que foi pensada.

"Pode tornar-se numa contribuição à humanidade tão grande como um novo medicamento, ou uma enorme ameaça, como uma arma biológica", advertiu Pat Mooney, director do ECT Group, um grupo de reflexão canadeano sobre bioética. Venter defende-se na entrevista que deu esta semana ao 'El Mundo'. "É verdade que a tecnologia pode ser utilizada para armas biológicas, mas detê-la seria tão absurdo como travar o conhecimento porque pode ser perigoso".
Ao contrário de temas como o da utilização de células estaminais, a biologia sintética tem avançado na total ausência de debate público e de controlo por parte dos organismos de regulamentação. Uma lacuna que segundo a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Paula Martinho da Silva, urge ultrapassar.

"Na investigação científica, e no caso particular da manipulação da vida, é necessário medir os riscos e os benefícios, em que a segurança é um factor essencial. Torna-se urgente uma grande reflexão também ética na sociedade sobre as escolhas do nosso futuro, sem alarmismos, mas com a consciência de que muito está a mudar", afirmou ao Expresso.

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